Artigo de Autoria de Marcos A. Bizeto, que nos autorizou sua publicação em nosso forum.
As algas estão presentes em qualquer aquário, seja ele marinho, doce, plantado, com corais ou só de peixes. O controle da disponibilidade dos macro-nutrientes fósforo (P) e nitrogênio (N) sempre foi a melhor medida para mantê-las sob controle. Contudo, é muito comum ocorrer surtos de alguma espécie mesmo quando esses nutrientes (basicamente nitrato e fosfato) estão em níveis aceitáveis. Estudos científicos [1] têm mostrado que surtos repentinos podem ocorrer em função de um desbalanço entre a razão de N e P.
As algas (fitoplâncton) apresentam constituição celular que segue a proporção de N : P de 16 : 1. Esta proporção é chamada de Proporção de Redfield (PR) (em homenagem ao criador do conceito) [2] e é sempre observada na constituição celular desses organismos quando os mesmos não foram submetidos a uma condição de limitação de N ou de P em seu ambiente.
Quando ocorre um desbalanço nessa proporção no ambiente aquático, os microorganismos mais adaptados à situação acabam prevalecendo sobre os outros. Por exemplo, se ocorrer uma diminuição da quantidade de N disponível (PR < 16) o nitrogênio passa a ser o nutriente limitante e as algas cianofíceas (algas azuis), por ter a capacidade de fixar o nitrogênio da atmosfera, acabam se proliferando mais rapidamente que as outras algas, gerando um surto. Do contrário (PR > 16), o fósforo é o nutriente limitante e as algas verdes passam a dominar o ambiente.
Estudos feitos com diferentes tipos de algas em condições naturais e de laboratório desenvolvidos por Bulgakov e Levich [1] comprovam a afirmação acima. De acordo com esses estudos, quando a razão N : P no meio aquático está entre 20-50 : 1, as algas verdes do gênero Chlorcoccales tem seu desenvolvimento acelerado em relação às outras presentes do mesmo ambiente. Já quando a razão está entre 5-10 : 1, as algas do gênero Cyanophytas (cianofíceas) acabam dominando o ambiente. Quando a razão entre N : P está próxima à proporção de Redfield, a competição por nutrientes em condição de igualdade entre as espécies do ambiente evita a proliferação excessiva de um tipo de alga.
Esse conceito pode ser adaptado ao ecossistema restrito de um aquário utilizando algumas simplificações. Em um ecossistema natural o PR é calculado a partir do nitrogênio e fósforo total presente no sistema. Em nossos aquários podemos considerar apenas o nitrogênio na forma de nitrato (NO3-) e o fósforo na forma de fosfato (PO43-). Testes para essas substâncias são facilmente encontrados nas lojas do ramo. De posse dos resultados basta aplicar a fórmula abaixo para encontrar o PR, substituindo os parâmetros entre colchetes pelos resultados dos testes em mg/L.
Embora o conteúdo deste artigo esteja voltado a um aquário de água doce, os parâmetros aqui descritos podem ser aplicados para um aquário marinho. Os estudos feitos por Redfield que resultaram neste conceito, foram originalmente realizados com microorganismos marinhos.
Os microorganismos ducíolas não apresentam a mesma relação entre N : P dos microorganismos marinhos, porém estudos mostram que a variação de PR entre 11 e 20 é também a condição de menor incidência de algas.
Se o PR estiver entre 11 e 20 o aquário encontra-se numa situação onde há pouca probabilidade de acontecer um surto de algas. Se estiver abaixo de 11, há probabilidade de ocorrer um surto de cianos. Acima de 20, a chance é de ocorrer um surto de algas verdes. A Tabela abaixo mostra o PR em função da concentração de nitrato e fosfato. As razões ideais onde há menor probabilidade de ocorrer surtos de algas é indicada em amarelo.
Na grande maioria dos casos, os surtos de algas cianofíceas são os mais comuns em aquários estabilizados. Isto está ligado a uma limitação da quantidade de nitrato disponível no meio aquático, seja por altas taxas de desnitrificação ou por alto consumo, como no caso dos aquários densamente plantados. Pode parecer loucura alguém propor o controle de um surto de algas com adição de nitrato, já que o mesmo pode ser o principal desencadeador delas. Sempre buscamos níveis baixos de nitrato e fosfato em nossos sistemas, principalmente em aquários marinhos, e propor a adição de um nutriente para controlar explosão de algas vai contra tudo o que se tem como senso comum. Contudo, o procedimento funciona e pode ser comprovado por vários relatos feitos em fóruns de discussões internacionais.
Tenha em mente que dosar fosfato é a última alternativa a ser testada. O fosfato é um nutriente de difícil remoção, principalmente de aquários marinhos.
O nível ideal de fosfato é:
- menor que 2 ppm para aquário plantado
- menor do que 0,3 ppm para aquários marinhos de corais.
No caso de aquários povoados essencialmente com corais duros é sempre bom manter o fosfato abaixo de 0,1 ppm para não haver interferências no processo de calcificação dos mesmos. Além disso acedita-se que o excesso de matéria orgânica combinada com níveis altos de fosfato é a causa da doença que provoca uma rápida degeneração dos tecidos dos corais.
A adição de nitrato no caso de aquários marinhos deve ser feita na forma de nitrato de sódio (NaNO3). Para saber quanto do composto é necessário adicionar basta repetir o procedimento ao lado e multiplicar por 0,00137 no lugar de 0,00163 na hora de encontrar a massa.
Como ajustar o PR?
Se o nitrogênio for o nutriente limitante segundo a equação do PR, o ajuste pode ser feito dosando nitrato de potássio (KNO3). Este sal é um nutriente completo, ou seja, não gera resíduos inutilizáveis no aquário, pois fornece nitrato e potássio, ambos elementos essenciais à nutrição das plantas. O problema é que o nitrato de potássio tem a venda controlada por ser um composto utilizado na fabricação de explosivos. Lojas de produtos para hidroponia devem vender este sal, seja puro, ou na forma de algum preparado. O importante é comprá-lo puro ou em solução, sem a mistura de outros nutrientes. Em breve disponibilizarei aqui no site uma planilha de Excel para calcular a dosagem correta.
Todavia essa conta pode ser feita facilmente. Basta usar a equação acima de forma inversa, fixando o PR em 16 e resolvendo a equação para o nitrato. Do valor encontrado é subtraída a quantidade determinada na água do aquário pelo teste. Multiplica-se esse valor pelo volume real do aquário para se obter a quantidade total de nitrato a ser adicionada. Não se esqueça que o NO3- é parte do composto e precisamos encontrar a massa de KNO3 a ser adicionada. Para isso basta multiplicar por 0,00163 para obter a massa a ser adicionada em gramas.
Outra possibilidade para ajustar o PR quando ele estiver menor que 16 é diminuindo a concentração de fosfato livre usando removedores específicos. Esse procedimento deve ser monitorado constantemente com testes para evitar que o fosfato se reduza a níveis inferiores ao desejado. O nível ideal para o fosfato pode ser determinado pela fórmula do PR fixando o parâmetro em 16, substituindo a quantidade de nitrato determinada pelo teste e resolvendo a equação para o fosfato. O valor encontrado é o que devemos obter usando o removerdor de fosfato. Quando esse valor for acusado na água do aquário o uso do removedor deve ser interrompido.
A adição de fósforo ao sistema deve ser evitada ao máximo, já que esse elemento deve estar sempre sob controle por ser um nutriente de difícil remoção do meio aquático [3], diferentemente do nitrato, que pode ser removido do sistema para a atmosfera na forma de N2 gerado no processo de desnitrificação. Vários sais de fosfato podem ser utilizados para esse fim, de preferência os sais de potássio pelos motivos já expostos acima. Alguns sais disponíveis no mercado são o K3PO4 (fosfato de potássio), K2HPO4 (fosfato ácido de potássio) e KH2PO4 (dihidrogênio fosfato de potássio). Todos são facilmente encontrados em lojas de produtos para laboratórios químicos e não apresentam nenhuma restrição para venda. Vale lembrar que sais de fosfato alteram o pH da água e interferem na alcalinidade. A figura 1 mostra as curvas de espécies de fosfato predominates em função do pH.
A maior parte dos nossos aquários trabalha com pH por volta de 6,6, situação onde predominam as espécies H2PO4- e HPO4-2. Para corrigir os níveis de fosfato sem causar impacto significativo no pH (6,6) devemos utilizar uma mistura contendo aproximadamente 35 % de K2HPO4 e 65 % de KH2PO4. Para encontrar essas proporções para outros valores de pH basta usar o gráfico abaixo (Figura 1). Os cálculos para encontrar as quantidades desses sais a serem adicionadas para uma eventual correção do PR são um pouco mais complicados do que o mostrado para o nitrato, porém são facilmente executados por quem tem alguma familiaridade com cálculos estequiométricos. Em breve disponibilizarei aqui uma planilha para auxiliar no cálculo.
Distribuição das espécies de fosfato inorgânico em função do pH.
Importante
Ter um PR dentro do esperado não é sinônimo de aquários livre de algas e também não deve ser usado como única solução para problemas de surtos. Este parâmetro serve como uma ajuda a mais para solucionar pequenos problemas em aquário já maturados e estabilizados. Essa abordagem traz bom resultados quando todas as outras condições de CO2, macro- e micronutrientes (Fe, Mo, B, Co, etc) e iluminação estiverem adequadas às necessidades das plantas. Além disso as trocas parciais e manutenção periódica dos filtros não devem ser esquecidas.
Bibliografia
[1] (a) N. G. Bulgakov, A. P. Levich, Environmental Biogenic Elements And The Phytoplankton: The Nitrogen-To-Phosphorus Ratio As An Independent Regulating Factor ,Uspekhi Sovremennoy Biologii , 1995, 15, 13.
(b) N. G. Bulgakov, A. P. Levich, The nitrogen: phosphorus ratio as a factor regulating phytoplankton community structure, Archiv fur Hydrobiologie, 1999, 146, 3.
[2] A. C. Redfield, The biological control of chemical factors in the environment, Am. Scientist., 1958, 46, 1.
[3] D. L. Correll., Phosphorus: A Rate Limiting Nutrient in Surface Waters,Poultry Science, 1999, 78, 674.
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Surtos de Algas, Proporção de Red, Por Marcos Bizeto
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