A imponência, a beleza e a domesticabilidade destes peixes tornam-nos em verdadeiros peixes de eleição para aquários de água salgada. Quanto aos aquários de recife, atenção...
Se tivéssemos de eleger um único peixe de recife como o mais belo, o mais provável seria escolhermos um membro da família dos peixes anjo. Animais imponentes, de cores exuberantes e formas elegantes, os peixes anjo fazem as delícias não só de inúmeros fotógrafos subaquáticos, mas também, e principalmente na parte que nos toca, de grande parte dos aquariofilistas de água salgada. Há quem diga, aliás, que o grande móbil para terem embarcado na árdua viagem da água salgada foi, de facto, esta família de peixes magníficos. Mas, como em tudo na vida, não há bela sem senão e a beleza vem muitas vezes acompanhada por um preço elevado...
Apesar de não constituírem um sério impedimento í sua manutenção, a verdade é que estes peixes trazem consigo algumas desvantagens: dificuldades de alimentação, alguma agressividade latente para com os outros habitantes do aquário e uma séria fragilidade perante situações de doença.
Mas como não queremos que se sinta desencorajado, pretendemos este mês começar a equipá-lo com as ferramentas básicas para manter estes peixes com sucesso, começando pela descrição da sua biologia, análise dos seus comportamentos e elenco de necessidades especiais. A família dos peixes anjo possui actualmente cerca de 81 espécies dispersas por 7 géneros. Estes peixes encontram-se intimamente aparentados com os da família dos peixes borboleta (Chaetodontidae), sendo que até ao final dos anos setenta estavam todos agrupados na família Chaetodontidae. Depois de cuidadosas investigações taxonómicas, foi atribuída aos anjos uma família específica – Pomacanthidae.
Dadas as semelhanças físicas entre Pomacantídeos e Chaetodontídeos é fácil compreender a sua inclusão num mesmo grupo. No entanto, há um pormenor da fisionomia dos peixes anjo que os distingue facilmente dos peixes borboleta, concretamente, a presença de uma espinha no preopérculo (bochecha). Aliás, o próprio nome Pomacanthus deriva dessa característica: pom «oculto» e acanthus «espinho». Além desta característica dos peixes anjo não partilhada pelos peixes borboleta, ambas as famílias diferem também em termos comportamentais, sobretudo ao nível do ritual de acasalamento, na medida em que enquanto a maioria dos primeiros (os anjos) tem múltiplos parceiros, a maioria dos segundos (os borboletas) acasala para a vida. Um último aspecto ajuda-nos a distinguir entre uma e outra família: quando em cativeiro, os peixes anjo são geralmente mais resistentes e agressivos que os da família Chaetodontidae.
O género Pomacanthus contém alguns dos membros mais espectaculares da família dos peixes anjo. Existem, pelo menos, 13 espécies deste género espalhadas por todas as zonas oceânicas tropicais. Algumas das maiores espécies de anjos encontram-se dentro deste género, tal como o Pomacanthus sextriatus, que atinge um comprimento de 50 cm.
Além de belos, os peixes anjo são também animais complexos e interessantes, na medida em que apresentando um padrão de coloração em juvenis significativamente diferente do que mais tarde exibirão em adulto permitem ao aquariofilista um duplo prazer. Os Pomacanthus do Pacífico Central, Pacífico Ocidental e Oceano Índico são muito similares na sua coloração juvenil (azul com uma série de linhas ou anéis brancos pelo corpo) e os juvenis de espécies provenientes do Pacífico Oriental e do Oceano Atlântico são também praticamente idênticos (preto com linhas amarelas). Os peixes das espécies do Oceano Atlântico são também identificados como peixes limpadores, já que removem parasitas externos e tecido dérmico morto de outros peixes. Os Pomacanthus são encontrados em zonas rochosas e coralinas superficiais e pouco profundas e nunca a uma profundidade superior a 30 metros.
Pensa-se que os membros do género Pomacanthus têm o seu sexo definido aquando da eclosão dos ovos e nunca mudam de sexo ao longo da vida – embora ainda sejam necessários mais estudos para comprovar este facto relativamente a todos os membros do género. Algumas espécies apresentam um dimorfismo sexual baseado no seu tamanho, sendo os machos maiores que as fêmeas. Os Pomacanthus revelam diferentes formas de acasalamento, sendo que mesmo dentro da mesma espécie é comum observar-se diferentes estruturas sociais, dependendo da densidade populacional específica do habitat em que os indivíduos se encontram. Em algumas zonas, os Pomacanthus paru formam casais permanentes, enquanto que noutros locais esta mesma espécie tem parceiros múltiplos. Ambos os membros do casal estão presentes no momento da desova, elevando-se na água para libertar ovos pelágicos.
A alimentação
Os membros do género Pomacanthus alimentam-se principalmente de esponjas, tunicados, zoantídeos, gorgonáceos, outros corais moles e macroalgas – em diferentes graus. Muitos destes peixes anjo especializam-se numa alimentação í base de esponjas. As mandíbulas protuberantes e os dentes em forma de serra são extremamente úteis para dar dentadas em invertebrados grandes e raspar alimentos que possam estar presos ao substrato. Há ainda espécies que, em juvenis, partilham estações de limpeza com gobídios e alguns Bodianus.
Dado que no seu habitat estes animais estão constantemente í procura de alimento, é mais aconselhável, em cativeiro, alimentá-los quatro ou cinco vezes por dia, sempre em pequenas quantidades, do que fornecer-lhes apenas uma ou duas refeições mais substanciais.
No entanto, a fase inicial da habituação de um peixe-anjo ao aquário é sempre complicada do ponto de vista da alimentação. Principalmente em espécimes de maior dimensão, é comum precisarem de uma semana ou ainda mais para se ambientarem í comida e aos modos alimentares característicos da vida em aquário. Além do mais, indivíduos que tenham sido capturados através da utilização de cianeto dificilmente aceitarão o alimento fornecido pelo aquariofilista e acabarão por sucumbir.
Já existem algumas marcas de alimentos congelados í venda no nosso país especialmente concebidos em termos nutricionais para satisfazer as necessidades destes peixes. Estes produtos contêm pequenos pedaços de esponja, bem como outros pedaços de animais marinhos, vitaminas e minerais. É importante suplementar a dieta destes peixes com vegetais, nomeadamente alimentos que contenham espirulina, selecções de algas e nori.
Doenças e parasitas
As situações de doença revelam-se, na maior parte dos casos, fatais para os Pomacantídeos. As infecções parasitárias mais comuns que afectam os peixes anjo são o Cryptocaryon irritans, o Amyloodinium ocellatum e vermes trematódeos. Impõe-se na maioria dos casos tratamentos í base de cobre.
É também com alguma frequência que observamos Lymphocystis nos peixes anjo. Trata-se de uma infecção viral que aparece como pequenos nódulos semelhantes a couve-flor nas barbatanas ou em redor da boca, o que pode impedir os peixes de se alimentarem devidamente. Tirando esta última situação, esta enfermidade é geralmente inofensiva para o peixe, acabando por desvanecer. Estes nódulos podem ainda ser removidos fisicamente com um objecto cortante, embora este acto possa provocar bastante stress num peixe, levando a situações mais complicadas. É preferível esperar que os nódulos desapareçam ou então introduzir um Labroides dimidiatus no aquário, já que estes peixes limpadores também se encarregam de remover este tipo de nódulos.
Existem ainda outros tipos de distúrbios que podem afectar estes peixes em resultado de uma alimentação inadequada. É o caso da erosão da linha lateral que, não sendo fatal a curto prazo, pode deixar um peixe num estado lastimoso. Outro distúrbio de origem nutricional é a cegueira. Pensa-se que a origem deste tipo de problemas nestes peixes será a carência de vitamina A e o excesso de alimentos gordos. Para evitar este tipo de doença, o melhor é incluir na dieta destes peixes muitos vegetais e oferecer-lhes um mínimo de alimentos ricos em gordura. Uma luminosidade correcta e de qualidade também ajuda a prevenir este problema, conseguindo muitas vezes fazê-lo regredir. Não se esqueça que a maioria destes peixes habita em locais pouco profundos e com muita luminosidade.
Condições do Aquário e Compatibilidade
Se devidamente alimentados, os Pomacanthus crescem muito rapidamente. Apesar de um espécime juvenil poder ser mantido inicialmente num pequeno aquário (cerca de 150 litros), dadas as condições ideais, o seu crescimento será rápido e em pouco tempo terá de arranjar-lhe uma casa maior. Por este motivo, quando pensar em adquirir um peixe-anjo terá de contar com um aquário de dimensão superior a 400 litros, dependendo, claro está, da espécie em causa.
Os Pomacanthus variam em termos de resistência, audácia e agressividade. Membros do subgénero Arusetta e Euxiphipops têm tendência a ser tímidos inicialmente e necessitam de várias cavernas onde se possam refugiar quando se sentem ameaçados. Durante o período de adaptação passam a maior parte do tempo a espreitar por entre rochas e grutas. À medida que se tornam mais ambientados com a sua nova casa, percorrem ocasionalmente o aquário, perseguindo momentaneamente peixes menores e depenicando nas rochas ou noutros objectos. Contudo, basta ocorrer algum movimento no exterior do aquário, para se refugiarem imediatamente. Com o passar do tempo tornam-se menos tímidos, passando a maior parte do dia em zonas abertas. Se um destes peixes, após ambientado a um aquário, for transferido para outro aquário, irá levar novamente o seu tempo para se adaptar a esse aquário. Os membros deste subgénero poderão não comer imediatamente, especialmente se não forem providenciados esconderijos apropriados. Assim que começam a comer e desde que seja oferecida a dieta correcta, tornam-se peixes de aquário excepcionais. Poderão, no entanto, tornar-se agressivos perante membros de espécies semelhantes e serão dominantes em aquários de peixes mais passivos.
Ao contrário dos anteriores, a maioria dos peixes do subgénero Pomacanthodes e Pomacanthus são tendencialmente menos nervosos desde a sua introdução no aquário, quando comparados com outros membros do género, aceitando também comida com maior facilidade. No seu habitat natural, estes peixes poderão vaguear por uma área do tamanho de meio campo de futebol. Por este motivo é importante oferecer-lhes o maior espaço possível.
Geralmente, espécimes médios têm maior facilidade em adaptar-se ao cativeiro do que os pequenos (inferiores a 5 cm) e os grandes (superiores a 20 cm). Espécimes pequenos são frequentemente muito sensíveis e não sobrevivem facilmente ís adversidades do transporte e aclimatização. São também mais vulneráveis perante outros peixes mais agressivos.
No caso de peixes maiores podemos aplicar a célebre frase: «burro velho não aprende línguas». Estes espécimes cresceram habituados a deslocar-se em grandes distâncias e a alimentarem-se de uma dieta específica. Por este motivo será difícil habituá-los a alimentos substitutos, sendo esta situação muito comum na generalidade dos Pomacanthus, embora existam excepções, tal como o Pomacanthus maculosus, cujos indivíduos adultos se adaptam facilmente. É importante que antes de comprar um destes peixes o vá examinando na loja, pelo menos, durante uma semana, de modo a ter a certeza que está a comer e a comportar-se normalmente. Uma cor avermelhada em redor da boca, barbatanas ou nas suas laterais é definitivamente um mau sinal. As escamas deverão estar lisas e suaves ao longo do corpo. Olhe para o seu possível futuro peixe bem nos olhos: está a vê-lo também especado a olhar para si? É bom que assim seja.! Espécimes com perturbações psicológicas e envenenados (o cianeto é um veneno e não é uma droga!) poderão ter cores e um corpo perfeitos, mas geralmente são apáticos. Muitas vezes é possível tocar-lhes sem que eles se movam. Nem pense em adquirir um peixe nesse estado. Peixes anjo saudáveis são vigorosos, animais conscientes do que os rodeia e é muitas vezes necessário recorrer a alguma perícia com duas redes para os apanhar.
Os adultos de todo o género são normalmente menos agressivos que os Holacanthus, sendo que a maioria pode ser mantida com peixes mais pacíficos como os da família Chaetodontidae, Labridae, Gobiidae e peixes anjo do género Genicanthus. No entanto, a agressividade será notada no caso de peixes introduzidos no aquário a posteriori, especialmente se forem similares em aparência e comportamento. Como tal, estes anjos deverão ser os últimos habitantes a serem introduzidos num aquário de peixes pacíficos.
Os Pomacanthus juvenis são muito territoriais, defendendo uma área aproximadamente de 3 metros de diâmetro no seu habitat selvagem, sendo intoleráveis relativamente a outros juvenis da mesma espécie ou de outras espécies com cores e padrões similares (um P. paru juvenil irá atacar um P. zonipectus). Mesmo juvenis com cores muito diferentes irão provavelmente entrar em disputas se não forem colocados simultaneamente no aquário. Uma forma de evitar alguma agressividade nestes peixes é providenciando correntes de água fortes, já que estes peixes apreciam-nas e geralmente acabam por distrair-se com elas, ficando assim com menos tempo para despender a guerrear entre si.
Nunca deverá ser mantido num aquário mais de um espécime da mesma espécie de Pomacanthus, a não ser que se tenha a certeza que se trata de um casal ou então um espécime adulto e outro juvenil. Porém, quando o juvenil começa a obter a coloração adulta, os problemas poderão surgir entre ambos. No caso de pretender manter um casal no mesmo aquário, este deverá ter uma litragem superior a 700 litros e ambos os espécimes deverão ser introduzidos simultaneamente no aquário.Os principais ingredientes na manutenção destes peixes são a existência de muito espaço, uma boa qualidade da água e uma alimentação variada. A temperatura da água deverá ser mantida entre os 23 e os 27 ºC, a amónia e os nitritos a zero e os nitratos o mais baixos possível. O pH deverá situar-se entre os 8,0 e 8,4, sendo a sua estabilidade muito importante, como tal a dureza carbonatada deverá ser elevada (³ 10ºdKH). A oxigenação da água deverá ser muito elevada e a densidade estável e entre 1,020 e 1,025. Um potente escumador será essencial, já que estes peixes deverão ser alimentados frequentemente e, como tal, evita-se assim a acumulação de orgânicos dissolvidos na água.
Numa próxima edição, iremos dar continuidade e concluir este artigo abordando a manutenção destes peixes em aquários de recife e também descrevendo algumas das espécies mais populares de Pomacantídeos.
Arigo de João Cotter publicado com autorização
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Anjos sem asas (mas com escamas) - O género Pomacanthus
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